Carta à Presidenta Dilma: Por uma Política de Álcool e Outras Drogas Não Segregativa e Pública
Proposta pela Rede Nacional Internúcleos de Luta Antimanicomial (RENILA), a carta à Presidenta Dilma: Por uma Política de Álcool e Outras Drogas Não Segregativa e Pública, recebeu a coassinatura do CFP e também do CRP SP. O importante documento defende o fortalecimento do Sistema Único de Saúde e uma sociedade sem manicômios.
A carta também demonstra preocupação com a constante veiculação, através de setores da imprensa, da defesa da internação compulsória e das comunidades terapêuticas como fórmulas mágicas para o tratamento dos usuários de álcool e outras drogas.
"Tais soluções opõem-se, radicalmente, aos princípios que sustentam o compromisso desse governo de trabalhar pela ampliação da cidadania e inclusão de todos (...).Se tais medidas forem implantadas produzirão, além de prejuízos políticos, danos à democracia brasileira. Uma das maiores referências e patrimônio da nossa sociedade, o SUS e várias de suas políticas, dentre estas, a Reforma Psiquiátrica, serão seriamente comprometidas, além de perderem o caráter público tão caro à saúde", afirma o documento.
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Carta à Presidenta Dilma
Por uma Política de Álcool e Outras Drogas
Não Segregativa e Pública
A eleição de uma mulher presidenta da república, pela primeira vez
na história, nos encheu de orgulho e foi festejado pelos brasileiros e
brasileiras, em particular por todos os movimentos sociais,
organizações populares e sindicais que lutam junto aos setores mais
vulneráveis de nossa sociedade, pela ampliação dos direitos e de uma
cidadania ativa. O compromisso definido como central para seu
governo _ o combate e eliminação de uma das principais mazelas da
sociedade brasileira, a pobreza e a miséria _ traduz, para nós, sua
sensibilidade e filiação à Construção de um Novo Brasil, mais justo e
solidário.
Esse compromisso assumido com o povo brasileiro é motivo de
esperança e perspectivas de avanços no processo de inclusão social e
de ampliação das conquistas cidadãs.
Nós, da RENILA - Rede Nacional Internúcleos de Luta Antimanicomial,
presentes em todo o país, militamos pela construção de uma
sociedade sem manicômios, projeto político que originou e inspira a
Reforma Psiquiátrica brasileira, política pública que é referência para
a Organização Mundial da Saúde. Apostamos que o atual governo iria
avançar e aprofundar esse processo emancipatório, extinguindo os
manicômios ainda existentes e em funcionamento e ampliando a rede
substitutiva, contudo, estamos neste momento, seriamente
preocupados com o futuro e os rumos da saúde mental brasileira.
Informações veiculadas com insistência pela imprensa sobre as
possibilidades de tratamento para usuários de álcool e outras drogas
preocupa-nos, sobretudo, por seu caráter francamente contrário aos
princípios que sustentam as políticas deste governo, a saber, a
superação da exclusão social, condição historicamente imposta a uma
parcela da sociedade brasileira. Como militantes sociais e de direitos
humanos, queremos alertar para os riscos que se anunciam nestas
propostas.
O primeiro e mais grave risco diz respeito ao modo como a questão é
colocada: ameaça, que fundada na cultura do medo, produz pânico e
autoriza a violência, além de solicitar respostas precipitadas e
superficiais. A apresentação de soluções mágicas, de respostas totais
e plenas de garantias é não apenas ilusório, mas, sobretudo
falacioso. Preocupa-nos, de modo particular, a defesa da internação
compulsória e das comunidades terapêuticas, dois modos de resolver
a questão recorrendo à exclusão e a segregação. Tais soluções
opõem-se, radicalmente, aos princípios que sustentam o
compromisso desse governo de trabalhar pela ampliação da cidadania
e inclusão de todos. Portanto, não tem como dar certo!
Senhora Presidenta, se tais medidas forem implantadas produzirão,
além de prejuízos políticos, danos à democracia brasileira. Uma das
maiores referências e patrimônio da nossa sociedade, o SUS e várias
de suas políticas, dentre estas, a Reforma Psiquiátrica, serão
seriamente comprometidas, além de perderem o caráter público tão
caro à saúde. Submeter a saúde a interesses privados, à lógica de
mercado, é fazê-la retroceder ao ponto que inaugurou o SUS como
direito; é impor a saúde à dimensão de objeto mercantil, gerador de
lucro para alguns e dor para muitos. Submeter o Estado e as políticas
públicas a crenças e confissões, fere um princípio constitucional e a
dimensão laica do mesmo. Submeter os cidadãos e suas famílias que
sofrem com uma dependência a um modo de proteção que anula
direitos é legitimar a violência como resposta institucional, portanto,
não é uma ação cidadã, nem tão pouco solidária; é violência e tortura
admitidas como recurso de tratamento.
Senhora Presidenta, mantendo nossa confiança e aposta em seu
compromisso público anunciado quando de sua posse, mas também
em sua sensibilidade e capacidade para conduzir um projeto de nação
que seja justo, solidário e cidadão, alertamos: não se pode admitir o
sequestro de direitos como recurso de tratamento, não se pode
admitir a redução de problemas complexos a soluções mágicas, não
se pode admitir, acima de tudo, a banalização de valores
democráticos em nome de nenhum mal. Não se pode fazer o mal em
nome do bem! Não se autoriza ao Estado e nem à sociedade, o
direito a desrespeitar e torturar ninguém, em razão de nenhum
motivo.
Sabendo que um governo se compõe de forças distintas e de
perspectivas diversas, articuladas a setores e interesses sociais
múltiplos, alguns mais próximos e comprometidos com valores
republicanos, e outros com perspectivas mais restritas e a valores
morais e religiosos, identificados na Casa Civil, conclamamos a Chefe
da Nação a defender a cidadania de todos e a democracia brasileira,
preservando suas conquistas, de modo especial, o Sistema Único de
Saúde e suas políticas.
Nossa posição não é sustentada em interesses particulares nem em
preferências. É coerente com a ampla mobilização social em todo o
país que resultou na IV Conferência Nacional de Saúde Mental -
Intersetorial, fórum que foi claro e decidido neste ponto:
comunidades terapêuticas não cabem no SUS, como também não
cabem internações compulsórias. O tratamento dos usuários de álcool
e outras drogas, incluído neste conjunto o crack, deve seguir os
princípios do SUS e da Reforma Psiquiátrica, sendo também este o
caminho a ser trilhado pelo financiamento: a ampliação da rede
substitutiva.
Senhora Presidenta, o Brasil precisa de mais CAPS-ad, necessita que
os mesmos tenham condições que os permitam funcionar vinte e
quatro horas, carece de leitos em hospital geral, de casas de
acolhimento transitório, consultórios de rua, equipes de saúde mental
na atenção básica, de estratégias de redução de danos e de políticas
públicas intersetoriais. Este deve ser o endereço dos recursos
públicos!
Por uma Sociedade Sem Manicômios!! Por um Tratamento Sem
Segregação!! Pelo Fortalecimento do Sistema Único de Saúde
e da Reforma Psiquiátrica!!
Clique aqui e confira a versão da Carta no formato .pdf.