CUIDAR, SIM. EXCLUIR, NÃO.
A posição da Prefeitura de São Bernardo do Campo sobre a "clínica" para tratamento
de usuários de álcool e drogas inaugurada pelo Governo de São Paulo em nosso município.
Em 31/03/09 fomos surpreendidos com a inauguração de uma clínica para internação
de pessoas que usam drogas em São Bernardo, numa parceria entre o grupo que controla
um hospital psiquiátrico (Hospital Lacan) e o governo de SP. Os recursos que custeiam
tal empreendimento são provenientes do tesouro do estado (R$ 3.000,00 por paciente/mês)
e serão repassados sob a forma de convênio, sem que o município, gestor do SUS,
tenha qualquer tipo de regulação sobre o acesso ou o controle do serviço.
Não podemos concordar com a forma como esse projeto foi implantado, sem nenhuma
participação do município, em desrespeito ao Pacto pela Saúde e ao largo das normas
e portarias que tem definido as diretrizes de gestão, atendimento e financiamento
do SUS. O projeto sequer foi discutido com a Secretaria Municipal de Saúde, embora
tenha sido divulgado que os CAPS locais usariam articuladamente esse serviço. Os
recursos que serão utilizados são públicos e, assim, pertencem ao SUS, exigindo
que as instâncias que fazem parte deste último participem efetivamente do processo,
pactuando e construindo a lógica de funcionamento do sistema.
Alem disso, discordamos profundamente do modelo que rege o projeto, e que fomenta
a internação psiquiátrica como o tratamento em si, sem problematizar a experiência
existencial dos sujeitos que irá atender. Entendemos também que a criação destes
leitos fere a Lei Federal 10.216/01, que proíbe a instalação de novos leitos psiquiátricos
no país.
Repudiamos qualquer tentativa maniqueísta e moralista de tratar a questão do uso
de drogas, um fenômeno complexo, multifatorial, que exige um diálogo, portanto,
também complexo. O que está em questão não é só a saúde, mas a liberdade, o protagonismo,
os projetos de vida, os direitos de cada pessoa, seja ela usuária de drogas, louca,
ou o quer que seja.
Manifestamos nossa adesão aos avanços da reforma psiquiátrica no campo das drogas,
ao importante papel dos CAPS nos territórios e nos percursos de seus usuários, na
construção cotidiana de projetos de vida e na ampliação de possibilidades de existência.
Entendemos que as situações de desintoxicação e os riscos trazidos pela abstinência
devam ter o hospital geral como lugar de suporte. Repudiamos a institucionalização
e o puro controle das transgressões exercido pelo hospital psiquiátrico, as "clínicas"
especializadas em internar e alienar as pessoas que usam e abusam de drogas.
Queremos que os usuários dos serviços de saúde mental sejam os protagonistas de
seus percursos de vida, de suas escolhas, de seus desvios, que possam viver suas
contingências. Nenhum sentido novo à existência é construído quando submetemos à
força aqueles que desviam, e que, com suas transgressões, questionam valores que
nos são caros. É comum querermos afastar tudo aquilo que nos faz lembrar de nossa
própria condição trágica de humanidade.
A clínica especializada do governo de SP não vai tirar à força, como num parto a
fórceps, a necessidade das pessoas que dependem das drogas. Não vai, como num passe
de mágica, transformar a condição cotidiana de vida das pessoas a partir de dentro
do hospital.
Apoiamos a política de redução de danos, a desinstitucionalização, a prática territorial
e a produção de saúde, e continuaremos a enfrentar os revezes que se nos apresentam,
construindo políticas afirmadoras da vida em São Bernardo do Campo.
Implantaremos, com entusiasmo e compromisso, a reforma psiquiátrica em nosso município.
A luta está apenas começando!
Fernando Kinker
Coordenador do Programa de Saúde Mental
Arthur Chioro
Secretário de Saúde